Fraqueza industrial e
financeira ainda é
entrave para
maior presença
moçambicana em Macau

22.06.2025 -
Especialistas consideram
que aposta moçambicana
em Macau se mantém
condicionada pela falta
de indústria e de
recursos financeiros, e
que novas parcerias,
incluindo no âmbito de
novo projeto regional
chinês, podem projetar
Moçambique no território
semiautónomo.
Ao visitar o centro de
exposições de produtos
do Fórum de Macau, no
ano passado, a académica
Fátima Papelo, que
estuda as relações
sino-moçambicanas,
apercebeu-se da
existência de poucos
produtos de Moçambique
no local, onde estão
expostos artigos dos
vários países de língua
oficial portuguesa.
"Existem muitos mais
produtos brasileiros,
mas é, até certo ponto,
um reflexo da estrutura
económica moçambicana.
Acredito que, por via do
Fórum de Macau, também
podemos pensar em como
transformar esta
estrutura económica
positivamente e que terá
como consequência a
existência de mais
produtos moçambicanos a
serem vendidos em
Macau", notou agora à
Lusa.
Dados oficiais do
Governo de Macau
sustentam a perceção da
académica da
Universidade Joaquim
Chissano, em Maputo: O
território importou de
Moçambique, no ano
passado, bens no valor
de cerca de 12 milhões
de patacas (1,28 milhões
de euros). No caso do
Brasil, o valor
ultrapassou mil milhões
de patacas (113 milhões
de euros).
Neste sentido, Papelo
refere a necessidade de
criar "mais eventos" que
coloquem agentes do
comércio de Macau e
Moçambique "a discutir e
explorar possibilidades
de aprofundamento dessas
relações". "Também é
necessário colocar
outros indivíduos
ligados à indústria,
porque só uma indústria
desenvolvida pode
conferir produtos que
vão ser trocados.
Moçambique ainda precisa
trabalhar muito neste
desenvolvimento da
indústria e é dessa
forma que vai
transformar os seus
produtos em
manufaturados,
colocá-los no mercado de
Macau e, quem sabe, de
toda a China",
considera.
Em 2003, poucos anos
após a transição de
Macau (1999), Pequim
estabeleceu o território
como plataforma de
cooperação entre o país
asiático e o universo
lusófono, criando o
Fórum para a Cooperação
Económica e Comercial
entre a China e os
Países de Língua
portuguesa (Fórum de
Macau).
Este mecanismo
multilateral, que se
reúne a nível
ministerial em cada três
anos, integra delegados
de Angola, Brasil, Cabo
Verde, Guiné-Bissau,
Guiné Equatorial,
Moçambique, Portugal,
São Tomé e Príncipe e
Timor-Leste. Constitui
"um diferencial" na
relação entre Moçambique
e China, afirma Papelo,
defendendo, porém, que
"há muito que ainda não
está a ser feito". "É
importante olhar como um
espaço de trocas.
Nesse caso,
investimentos devem vir
a Moçambique, mas
investimentos
moçambicanos também
devem ir a Macau. Este
segundo sentido precisa
de ser trabalhado", diz.
Apesar de a China ter
sido um dos primeiros
países a reconhecer
Moçambique como Estado
soberano, no dia em que
este declarou a
independência, em 25 de
junho de 1975, a
"fortificação dos laços"
com Macau, então sob
administração
portuguesa, vai dar-se
apenas após 1999.
"A
partir do momento que o
Governo chinês começa a
assumir controlo sobre o
território, aí já existe
esta possibilidade de
Moçambique cooperar
também com Macau. Então,
esta relação começa a
tornar-se muito mais
viva, muito mais
presente", sublinha. O
historiador Wu Zhiliang
considera a criação do
Fórum de Macau "um
reconhecimento" do papel
do território como ponte
entre China e parceiros
lusófonos.
Assumindo que a região
"tem muito por fazer
para cumprir bem esta
missão", o também
presidente da Fundação
Macau refere à Lusa que
o Fórum deve "ampliar a
sua ação, além da
promoção de intercâmbio
económico e comercial,
às áreas do ensino,
cultura e investigação
científica".
O ensino superior, por
exemplo, foi uma das
áreas de cooperação que
ganhou alento no
pós-transição. Dos cerca
de 60 moçambicanos a
residir em Macau, mais
de metade são
estudantes, estima o
presidente da Associação
dos Amigos de
Moçambique. Ângelo
Patrício Rafael, também
professor na
Universidade de São
José, chegou ao
território em 2012 para
um mestrado em Direito
de Comércio
Internacional, fruto de
um protocolo entre a
Universidade Eduardo
Mondlane e a
Universidade de Macau.
Mas também aqui,
registam-se
dificuldades.
"As universidades,
principalmente as
privadas, não têm a
capacidade financeira,
por exemplo, para
atribuir bolsas
completas a estudantes
internacionais que vêm
dos países de língua
portuguesa.
Por outro lado, pode ser
muito caro para esses
estudantes saírem destes
países", diz. Rafael
acredita que "o desafio
passa, muitas vezes, por
encontrar os parceiros
certos que acreditam
neste papel de Macau,
que estejam dispostos a
financiar ou, de alguma
forma, ajudar neste
processo".
Sobre o reforço dos
laços sino-moçambicanos,
"a parte mais difícil",
reflete o responsável, é
provavelmente "o
estreitamento dessas
relações para lá do
nível institucional":
"Há também muito que se
tem feito a nível
cultural, mas acho que
[é necessário] potenciar
mais esta interação
entre os povos".
Uma oportunidade para
Moçambique na região
chinesa constitui, ainda
segundo Fátima Papelo, a
Grande Baía, projeto
chinês que ambiciona
criar uma metrópole
mundial, a partir das
regiões de Macau e Hong
Kong e outras nove
cidades da província
vizinha de Guangdong,
onde habitam mais de 86
milhões de habitantes, e
que Maputo deve
"aproveitar e explorar".
"Vejo um espaço em que
Moçambique pode promover
as suas potencialidades,
pode também buscar
serviços que irão
permitir o seu
desenvolvimento
económico em diversas
áreas, desde energia,
indústria, transporte,
comunicação, porque há
muito desenvolvimento
tecnológico, na área de
transporte, até
formulação de políticas
públicas", propõe.
E
a língua portuguesa,
diz, será "sempre
vantagem": "É necessário
que Moçambique perceba
este lugar especial que
tem e dele faça bom uso,
no sentido positivo".
CAD
// JMC Lusa/Fim
