25.04.2022 - A 25 de
Julho de 2015, a
China-Sonangol
Investment transferiu, a
partir da Indonésia, o
montante de dez milhões
de dólares para a conta
da República de São Tomé
e Príncipe no banco
português Caixa Geral de
Depósitos. Esse valor
fazia parte de um acordo
de crédito, no total de
trinta milhões de
dólares, entre o China
International Fund (CIF)
e o governo são-tomense.
Os
restantes vinte milhões
de dólares
“desapareceram”,
“esfumaram-se”,
“evolaram-se”, e o
governo de São Tomé não
sabe nem como
solicitá-los, nem a quem
pagar a dívida dos dez
milhões de dólares. Um
caso que é no mínimo
caricato, e que envolve
Angola por intermédio da
Sonangol. Para o nível
de pilhagem e
desperdício a que os
angolanos estão
habituados, dez milhões
de dólares são trocos,
mas no caso de São Tomé
representa cerca de 2,5
por cento do seu Produto
Interno Bruto (PIB),
mexendo, por isso, com a
capacidade de
endividamento deste
país. Passemos a uma
explicação mais clara,
de acordo com as mais de
cem páginas de
documentos em posse do
Maka Angola.
No exacto
dia da transferência dos
dez milhões, o CIF
assinou o Acordo de
Empréstimo – uma simples
página – com a República
Democrática de São Tomé
e Príncipe, no qual
mutuava trinta milhões
de dólares a este país.
O contrato, assinado por
Américo d’Oliveira
Ramos, então ministro
das Finanças,
Administração Pública,
Defesa e Ordem Interna,
destinava-se à
construção de um novo
centro administrativo e
residências para
funcionários públicos na
capital, São Tomé.
Na
altura, o
primeiro-ministro era
Patrice Trovoada, o qual
desempenha, como
veremos, um papel
fundamental nesta
história. Com um período
de carência de cinco
anos, o empréstimo
deveria ser pago, em
dinheiro ou de “outra
forma”, até 2036, com
uma taxa de juros anual
de um por cento. Talvez
por falta de domínio da
língua inglesa, o
governo de São Tomé
assinou o contrato
original enquanto “lender”,
ou seja, credor,
enquanto o CIF,
representado por uma
assinatura ilegível e
sem referência à função
ou nome do signatário,
assinou como “borrower”,
ou seja, devedor.
O então
primeiro-ministro e
chefe de governo,
Patrice Emery Trovoada
(na foto principal),
emitiu o mandado para
assinatura do contrato
no mesmo dia 20 de Julho
de 2015, “nos termos e
condições deliberados
pelo Conselho de
Ministros, na sua 19.ª
sessão, realizada no dia
6 de Junho” desse ano.
Sem qualquer explicação
ou documentação de
suporte, segundo os
documentos em posse do
Maka Angola, a
China-Sonangol
Investment procedeu ao
pagamento dos dez
milhões de dólares a
partir da sua sede na
Indonésia, por via do
banco norte-americano JP
Morgan Chase.
A
China-Sonangol
Investment é um
consórcio entre a
petrolífera angolana
Sonangol e o CIF,
fazendo parte de uma
teia de interesses
privados com empresas
denominadas Sonangol,
sediadas na Indonésia,
na China e em Singapura.
A 14 de Fevereiro de
2019, o governo
são-tomense escreveu ao
CIF a solicitar o
pagamento dos restantes
vinte milhões de
dólares, abordando as
possíveis modalidades de
pagamento, uma vez que
não pode pagar à
China-Sonangol, por não
ter assinado contrato
com esta entidade.
Por sua
vez, a 8 de Março de
2019, Wuando Castro de
Andrade, ministro da
presidência do Conselho
de Ministros e Assuntos
Parlamentares, respondeu
ao Ministério das
Finanças, informando que
“não encontramos nos
arquivos da Presidência
do Conselho de Ministros
nenhuma acta das Sessões
do Conselho de Ministros
do XVI Governo
Constitucional”.
Ou seja,
não há registo oficial
de alguma vez o governo
ter discutido, de forma
colegial, o crédito
sino-angolano e a sua
anuência, contrariando o
mandado assinado por
Patrice Trovoada.
Passados quatro dias, o
gabinete do presidente
da Assembleia Nacional
de São Tomé veio
esclarecer, após
pesquisa na base de
dados do processo
legislativo, que nunca
constou “qualquer
proposta de resolução”
acerca do acordo de
empréstimo entre o
Estado de São Tomé e
Príncipe e o CIF.
Segundo a
legislação vigente em
São Tomé, em particular
a Lei n.º 1/2013 (Lei
Quadro da Dívida), os
acordos de empréstimo ao
Estado de São Tomé e
Príncipe devem ser
submetidos à aprovação
da Assembleia Nacional.
Este conjunto de factos
levou à detenção
preventiva do
ex-ministro das Finanças
Américo Ramos, por três
meses. Já o
ex-primeiro-ministro
Patrice Trovoada,
constituído arguido no
mesmo processo, está
ausente de São Tomé e
Príncipe desde 2018.
De tal
ordem é a embrulhada,
que nem o CIF (Hong Kong
e Angola), nem a
China-Sonangol
(Indonésia) nem o Estado
angolano se dignam a
responder às missivas
das autoridades
são-tomenses que
solicitam o
esclarecimento sobre a
pertença dos dez milhões
de dólares e a quem o
montante deve ser
reembolsado.
O mesmo
se passa com o estranho
“desaparecimento” dos
vinte milhões de
dólares. Por sua vez, a
22 de Janeiro de 2019, a
Embaixada da China em
São Tomé, aquando da
interpelação por parte
do governo local a
propósito do CIF,
respondeu que nada tinha
a ver com essa
companhia, cuja única
ligação à China era a
sede em Hong Kong.
Mas o
caso não fica por aqui.
As
embarcações da Sonangol
No ano de
2016, o então
primeiro-ministro
Patrice Trovoada
“ofereceu” ao Estado
são-tomense um total de
cinco embarcações, onde
se incluíam dois
catamarãs com capacidade
para 350 pessoas cada e
ainda três vedetas de
patrulha marítima.
Um dos catamarãs e um
dos barcos de patrulha
“oferecidos” por Patrice
Trovoada.
Estas
embarcações foram
fabricadas pela empresa
espanhola Rodman
Polyships, que, na
altura das encomendas,
era detida em 90 por
cento do capital pela
China-Sonangol
Investment. A 16 de
Março de 2020, Óscar
Rodríguez,
director-geral e
vice-presidente da
Rodman Polyships,
informou as autoridades
são-tomenses de que
couberam ao seu pai,
presidente da empresa,
todas as negociações
sobre as referidas
embarcações.
“A
empresa que adquiriu
estas e muitas outras
embarcações à Rodman
Polyships foi a
China-Sonangol, de
Singapura.” Além de
fornecer o endereço da
empresa compradora,
Óscar Rodríguez remeteu
à China-Sonangol
documentos sobre os
custos da operação e da
pertença das
embarcações.
Inicialmente, a avaliar
pelas maquetas de
construção das
embarcações, datadas de
15 de Outubro de 2014,
estas destinavam-se à
Sonangol.
No
entanto, as inspecções
de construção acabaram
por certificar o então
primeiro-ministro de São
Tomé, Patrice Emery
Trovoada, como o
proprietário das mesmas
embarcações. Por
ausência de documentação
sobre a propriedade das
embarcações, até à data
o Estado são-tomense não
conseguiu registá-las
nas contas nacionais
como património público.
Um dos catamarãs,
entretanto gravemente
danificado, não passa de
uma carcaça junto ao
Porto Pesqueiro das
Neves, servindo de
brinquedo para pinotes
das crianças. Sem se dar
por vencido, a 3 e a 17
de Novembro, o governo
são-tomense escreveu a
Vera Daves de Sousa,
ministra das Finanças de
Angola, solicitando
apoio para
esclarecimento da
verdade.
O
governo são-tomense
continua a querer saber
se os bens foram ou não
adquiridos com recurso a
fundos públicos
angolanos. Até à data,
as autoridades angolanas
acusaram apenas a
recepção das missivas.
Para resumir: há dez
milhões de dólares e
cinco embarcações
marítimas entregues a
São Tomé, com o
envolvimento da Sonangol,
sem que nenhuma entidade
real assuma o crédito ou
as ofertas.
E
existe um empréstimo de
trinta milhões de
dólares americanos
mandado assinar por
Patrice Trovoada, mas do
qual não se sabe quem
disponibilizou o
dinheiro – se o tesouro
angolano, se a Sonangol
ou se algum privado
angolano – e de onde
vinte milhões de dólares
pura e simplesmente se
esfumaram.
Obviamente que, em
termos de montantes
absolutos, esta situação
não tem a relevância das
famosas “dívidas
ocultas” de Moçambique.
Contudo, em termos
relativos, este valor
representa 7,5 por cento
do PIB de São Tomé e
Príncipe e, sobretudo,
mostra um padrão de
governação semelhante:
os responsáveis
políticos autorizam e
usam empréstimos
estrangeiros de forma
ilegal, desrespeitando a
Constituição e as leis,
e, no fim, parte
substancial do dinheiro
desaparece. Patrice
Trovoada, enquanto
responsável último, tem
de prestar
esclarecimentos sobre
isto, esteja onde
estiver.