Oito mulheres imigrantes
passam de cuidadoras a
atrizes
em "Pêndulo" de Marco
Martins

Oito
imigrantes, cuidadoras
informais, com idades
entre os 37 e os 77
anos, viram atrizes em
"Pêndulo", espetáculo
criado e encenado por
Marco Martins, que se
estreia em 16 de junho.
Oito
imigrantes, cuidadoras
informais, com idades
entre os 37 e os 77
anos, viram atrizes em
“Pêndulo”, espetáculo
criado e encenado por
Marco Martins, que se
estreia em 16 de junho,
no Teatro S. Luiz, em
Lisboa. Provenientes do
Brasil, Angola,
Moçambique, S. Tomé e
Príncipe e Cabo Verde,
Juliana Alves, Maria Ya
Ya, Maria Constância
(Betty), Emanuellle
Bezerra, Fabiana Lima,
Nádia Fabrici, Elane
Galacho e Joana Dende
são as protagonistas da
peça e também das
histórias que Marco
Martins trabalha, as
histórias deste grupo de
mulheres cuidadoras e
empregadas, que passam a
vida em movimento
pendular entre a
periferia e o centro da
capital portuguesa,
entre a sua casa e a de
quem as emprega, entre o
país de origem e o de
destino, Portugal.
“Pêndulo”,
com texto de Marco
Martins e Djaimilia
Pereira de Almeida,
levanta questões como o
modo como se relacionam
as trabalhadoras
imigrantes com as
famílias para quem
trabalham, se essa
relação as afeta ou não,
como se relaciona um
país com os imigrantes
que acolhe.
A
partir da natureza do
trabalho doméstico,
“Pêndulo” reflete sobre
essas questões, e ao
mesmo tempo sobre
relações familiares,
sobre os diferentes
sonhos, as diferentes
expectativas, os
diferentes quotidianos.
Na
continuação do trabalho
cénico que tem vindo a
desenvolver nos últimos
anos, Marco Martins
abriu o palco a atores
não profissionais,
dando-lhes ainda espaço
para as histórias
pessoais, de vida, além
da precariedade de
trabalho com que todas
se confrontam.
Trabalhadora doméstica,
cuidadora de doentes
terminais, cuidadora de
idosos em ‘part-time’ ou
prestadoras de trabalho
doméstico são atividades
que unem as oito
mulheres.
Apesar das diferentes
experiências de vida,
que contam em palco,
“Pêndulo” parte de uma
situação ficcional em
que as oito mulheres são
empregadas de limpeza
num supermercado da
capital. Enquanto a
brasileira Elane fala
dos vários trabalhos que
teve no Brasil antes de
os filhos crescerem e
rumar a Portugal — de
guarda prisional a
cuidadora do pai — em
busca de uma nova vida,
Juliana, a mais velha,
vai desfiando a história
do orfanato de
holandeses e italianos
para onde foi levada
após tirada da casa dos
pais, e onde aprendeu
latim. Cuidadora de
doentes terminais até há
pouco tempo, quando
decidiu reformar-se,
Juliana vai também
contando como lavava e
preparava os mortos
antes de as funerárias
irem buscar os corpos
para os enterros.
O
carinho, o cuidado e o
desvelo que põe nas
palavras e nos gestos
quase dão a sensação de
Juliana estar a falar de
vida. Emanuelle, uma das
duas brasileiras que
interpretam “Pêndulo”,
veio para Portugal fazer
mestrado e é cuidadora
informal em ‘part-time’.
Antes tinha estado no
Canadá e na Austrália,
países sobre os quais
também vai contando
histórias do tempo em
que lá viveu. “Pêndulo”
teve em conta, à
partida, um duplo
movimento pendular,
disse Marco Martins à
agência Lusa, no final
de um ensaio da peça.
“Por um lado, um
movimento pendular da
imigração.
Do
país de origem para o
país de trabalho, e esta
ideia de achar que hoje
em dia a imigração é
muito mais feita de
forma individual, pois é
raro vermos famílias a
emigrar como víamos nos
anos de 1960 ou 1970”,
acrescentou. Procurou
fazer, portanto, um
trabalho que partisse da
ideia de mulheres que
imigram sozinhas e
deixam a família, como é
o caso de quase todas as
que vão subir ao palco
do S. Luiz.
Em
comum, estas mulheres
escolhidas entre um
grupo mais alargado
proveniente de Montijo,
Barreiro, Almada e
Setúbal, têm o facto de,
em fases distintas das
suas vidas, terem sido
cuidadoras informais.
Como Maria Ya Ya que
veio de S. Tomé
diretamente para a
família de uns “senhores
que já a aguardavam no
aeroporto e para cuja
casa foi levada para
trabalhar, com horas de
entrada, mas sem horas
de saída”, como diz no
espetáculo. Ou Fabiana,
vinda do Brasil, que
procurou vários
trabalhos mas que acabou
sempre por tratar de
pessoas mais velhas.
A
Marco Martins
interessava também
mulheres que, apesar de
terem realizado aquelas
funções, tivessem também
outro tipo de formações
e de desejos, disse,
exemplificando com Nádia
e Fabiana, ambas a
fazerem teses de
mestrado e com trabalhos
em ‘part-time’. “O que
as une é esse movimento
pendular. São todas
imigrantes e vivem todas
fora dos centros
urbanos, portanto no
dia-a-dia também têm
todas este movimento
pendular”, sublinha.
Em
“Pêndulo”, a partir de
uma situação ficcionada,
passada no interior de
um supermercado, as oito
mulheres acabam por
discorrer em palco sobre
situações do seu passado
ao mesmo tempo que ousam
fazer especulações sobre
o futuro. Um futuro
melhor que vão
aguardado, enquanto no
interior do supermercado
esperam que chegue a
hora de dar início à
limpeza daquele espaço.
A partir de um cenário
aparentemente realista,
outros espaços vão
ganhando forma até se
chegar a um passado
bastante distante.
O
passado de Juliana, a
moçambicana de 77 anos,
e o orfanato de padres
holandeses e italianos
onde foi parar depois de
retirada de casa dos
pais. E onde aprendia
latim. Uma
intérprete/personagem
que, para Marco Martins,
“encapsula toda estas
questões que têm a ver
esta constante migração
das nossas ex-colónias,
as várias vagas
sucessivas e as várias
famílias que foram sendo
destruídas de alguma
forma com essa
imigração”, conclui.
Com
música de Tia Maria
Produções, movimento de
Vânia Rovisco, apoio
dramatúrgico de Rita
Quelhas, cenografia de
fala de atelier, desenho
de luz de Nuno Meira e
sonoplastia e operação
de som de Vítor Santos,
“Pêndulo” fica em cena
na sala Luis Miguel
Cintra, do Teatro S.
Luiz, até 18 de junho,
om sessões à sexta-feira
e sábado, às 20:00, e,
ao domingo, às 17:30.
A
estreia da peça
realiza-se no Dia de
Portugal, de Camões e
das Comunidades, 10 de
junho, no Auditório
Municipal Augusto
Cabrita, no Barreiro. A
24 de junho estará em
cena no Fórum Municpal
Luísa Todi e, em 22 de
dezembro, no Teatro
Municipal Joaquim Benite,
em Almada. Em 2024, será
apresentada no Arena de
Sole, em Bolonha (dias
26 e 27 de janeiro), a
02 e 03 de fevereiro, no
Teatro Municipal do
Porto/Campo Alegre, e
dia 10 de fevereiro, no
Cine-Teatro Joaquim de
Almeida, no Montijo.