13.06.2023 - Analistas
são-tomenses consideram
que a constante mudança
de juízes pelas
sucessivas maiorias
políticas representa um
perigo para a democracia
e desenvolvimento do
arquipélago e rejeitam a
iniciativa do parlamento
para substituir quatro
juízes do Tribunal
Constitucional.
O parlamento são-tomense
vai eleger na
quinta-feira quatro
novos nomes para o
Tribunal Constitucional
(TC), após a cessação
automática de funções de
quatro dos cinco juízes
daquele órgão, na
sequência da entrada em
vigor, na semana
passada, da lei
interpretativa aprovada
pelos partidos que
apoiam o Governo, que
impôs a jubilação e
cortou algumas regalias
de magistrados com mais
de 62 anos.
Com a
entrada em vigor da nova
lei, cessaram funções o
presidente do TC,
Pascoal Daio, a
vice-presidente, Maria
Alice Carvalho, e os
juízes Amaro Couto e
Hilário Garrido,
impossibilitando o
funcionamento do órgão
por falta de quórum.
"Os
juízes neste momento do
Tribunal Constitucional,
mas também os do Supremo
vão estar todos nas mãos
das maiorias
circunstanciais e isso é
o maior perigo que
acontece para as
democracias", considerou
o jurista
luso-são-tomense Carlos
Semedo, que alerta para
a necessidade de revisão
constitucional para
alterar o modo de
nomeação dos juízes do
TC.
A
médica e analista Ana
Maria Costa defendeu que
a constante substituição
de juízes por iniciativa
e motivações políticas
"lesa até o
desenvolvimento do país"
e põe em causa a justiça
social "que é imperativa
para que haja paz entre
os cidadãos". "Nós não
conseguiremos nunca
atrair investimento
estrangeiro quando a
justiça está pela rua da
amargura como está",
lamentou.
"Os
juízes deveriam ser
respeitados, e pela
forma como eles têm ido
aos tribunais, como têm
sido corridos dos
tribunais, como têm
estado na mão dos
políticos em São Tomé e
Príncipe, eu acho que é
de clamar a Deus, porque
nós, os homens
são-tomenses, eu acho
que não estamos
capacitados para nos
governarmos a nós
mesmos", referiu o
presidente da
Universidade Lusíada de
São Tomé e Príncipe,
Liberato Moniz.
A Ação Democrática
Independente (do
primeiro-ministro,
Patrice Trovoada, e com
maioria absoluta) e a
coligação Movimento de
Cidadãos
Independentes-Partido
Socialistas/Partido de
Unidade Nacional
(MCI-PS-PUN, cinco
deputados) propuseram
para novos juízes do TC
a atual presidente do
sindicato dos
magistrados judiciais
são-tomenses Kótia
Menezes, o antigo
procurador-geral e
ex-ministro da Justiça,
Roberto Raposo, e os
juristas Leopoldo
Marques e Lucas Lima,
antigo assessor jurídico
do primeiro-ministro,
Patrice Trovoada.
"Nós
atingimos o limite de
tudo quanto é admissível
para um dia acreditarmos
na justiça, primeiro
porque as pessoas vêm
dizer que na justiça em
São Tomé e Príncipe, as
pessoas não estão lá por
serem competentes, não
estão lá porque
estudaram Direito, mas
estão lá porque têm
confiança política de
quem está no poder para
o poder resolver os
problemas eventuais e
nada preocupados em
fazer funcionar o Estado
de Direito em São Tomé e
Príncipe", comentou o
analista Liberato Moniz.
Moniz
lamentou o silêncio dos
sindicatos do Ministério
Público e dos tribunais
perante a polémica em
volta da aprovação da
lei que impôs a cessação
de funções de juízes com
mais de 62 anos. "Nós
estamos a alimentar um
ódio e os próprios
juízes estão a
participar [...] e daqui
a quatro anos, se mudar
o poder, vamos ter o
mesmo problema, vamos
ter a indemnização de
todos os juízes que
saíram?", questionou.
O
jurista Carlos Semedo
também é contra a
aprovação da lei pela
Assembleia e a
promulgação pelo
Presidente da República
sem respeitar o prazo de
oito dias, por
considerar que a lei vai
além de questões
interpretativas.
"O conteúdo desta lei
vem tocar, vem
restringir, vem fazer
cessar direitos
consagrados em lei
orgÂnicas, isto é, essa
lei vem mexer em artigos
de leis orgânicas.
Portanto, ela, ao tocar
na lei orgânica está
sujeita às mesmas regras
de controlo e de
fiscalização, por isso é
que defendi que essa lei
nunca poderia ter o
efeito que teve nem ser
aprovada como foi",
comentou Carlos Semedo.
Os
analistas consideram que
as circunstâncias da
aprovação e promulgação
desta lei apontam para
casos de vingança contra
os juízes do TC que
participaram no
adiamento da proclamação
dos resultados da
primeira volta das
eleições presidenciais
de 2021, ganhas pelo
atual Presidente da
República, Carlos Vila
Nova, e pela multa
imposta aos 19
candidatos, incluindo o
chefe de Estado, pela
não apresentação das
contas de campanha.
Apontam ainda outros
casos, nomeadamente, a
penhora de bens de
Domingos 'Nino'
Monteiro, dirigente do
MCI-PS no âmbito do
processo Rosema, cuja
posse da cervejeira foi
retirada e atribuída ao
empresário angolano
Mello Xavier, e a
expulsão de juízes do TC
que em 2019 tentaram
retirar a empresa de
Mello Xavier para
atrbuir aos irmãos
Domingos e António
Monteiro.
"Essa
lei para mim é uma lei
de vingança, e se o
Presidente da República
não quisesse ficar
vinculado a essa
vingança ele tinha
obrigatoriamente que
parar a lei, mandar
analisá-la, dormir sobre
ela e não promulgar no
dia seguinte [...] eu
acho que pela
proximidade do
Presidente da República
aos irmãos Monteiros,
por tudo quanto
aconteceu, isso é
grave", considerou
Liberato Moniz.
Ana Maria Costa
considera que "tudo está
muito confuso porque é
um jogo de interesses" e
afirma-se "muito triste,
muito desiludida, de
alguma maneira
preocupada". "Fico com a
sensação que de governo
a governo, toda a gente
vem para resolver os
seus problemas pessoais
e para saldar dívidas e
ajustes de contas [...]
os nossos governantes
rasgaram o livro da
ética e da deontologia,
porque senão o
Presidente da República
não teria promulgado
essa lei tão rápido",
considerou Ana Maria
Costa.
Em declarações à Lusa,
Domingos Monteiro, do
'movimento de Caué' e um
dos antigos
proprietários da Rosema
- a maior fábrica em São
Tomé -, afastou qualquer
ligação desta iniciativa
parlamentar ao caso da
cervejeira, cuja
propriedade foi
atribuída pela justiça
ao empresário angolano
Mello Xavier. "Não tem
como pano de fundo a
Rosema, que é uma
questão da justiça e tem
de ser entregue à
justiça. Somos contra a
auto-jubilação.
Aqueles juízes que têm
idade e estão jubilados,
devem ir para casa e dar
lugar aos mais novos",
disse Domingos 'Nino'
Monteiro, denunciando
que alguns juízes
determinaram a sua
auto-jubilação, após
"pouco mais de três anos
de serviço", usufruindo
de muitas regalias, "num
país que é pobre".
Um
grupo de deputados do
MLSTP/PSD e do Movimento
Basta, em São Tomé,
pediu a fiscalização
preventiva da
constitucionalidade da
lei e criticou ainda o
que considerou de
"promulgação apressada"
do diploma pelo
Presidente Vila Nova,
apesar das críticas da
oposição durante a
sessão plenária.