A fábrica no meio de uma
batalha judicial
02.05.2018 -
Quando, em meados dos anos
1990, o empresário angolano
Mello Xavier comprou,
através da sua empresa Ridux
Lda, a cervejeira Rosema, em
São Tomé e Príncipe, estava
longe de imaginar que o
negócio lhe traria
dissabores.
Convidado
pelo Governo são-tomense a
participar no concurso
público internacional,
supervisionado pelo Banco
Mundial, de venda da
cervejeira, construída por
empresários alemães da
antiga RDA, Mello Xavier não
hesitou. Concorreu e venceu.
Animado pelo
Acordo Recíproco de
Protecção de Investimentos,
assinado em 1995, entre os
dois Estados, o empresário
angolano pôs em marcha um
plano de modernização e
ampliação da fábrica.
Investiu mais de quatro
milhões de dólares e tornou
a Rosema na principal
unidade fabril do
arquipélago.
Além disso,
investiu na construção de
moradias para os
trabalhadores reformados e
doou dinheiro para a criação
de um fundo de apoio a
pequenos negócios, na
esperança de contribuir para
o aumento dos rendimentos
dos são-tomenses.
Antes mesmo
de recuperar os
investimentos, o empresário
decidiu passar à segunda
fase do projecto, que
consistia na aplicação de
mais 4,2 milhões de dólares,
para o fabrico de
refrigerantes e água
mineral. É com este
pensamento que compra a
Sumol de Carnaxide e
Algarve, em Portugal, e
prepara a transladação do
equipamento para São Tomé e
Príncipe. Entretanto, o
material acabaria por ser
transferido para a vila do
Dondo, província do
Cuanza-Norte, onde até hoje
ainda permanece, já que os
planos viriam a ser
interrompidos em 2009,
devido a um diferendo que
envolveu, em Angola, o
empresário e uma outra
empresa angolana. Diferendo
com contornos políticos.
Desde 2009 que o empresário
luta, na justiça, para
reaver a fábrica, que hoje é
administrada pelo cidadão
são-tomense Domingos
Monteiro (Nino Monteiro), um
político do MLSTP-PSD,
principal partido da
oposição, mas que é tido
como próximo do
Primeiro-Ministro e líder do
partido no poder, Acção
Democrática Independente
(ADI), Patrice Trovoada.
Nino Monteiro foi indicado
fiel depositário da fábrica,
depois de um contencioso
movido em Luanda contra o
empresário Mello Xavier, por
uma empresa também angolana,
a JAR, num negócio
envolvendo dois navios.
Na sequência
do diferendo, o Tribunal
Marítimo de Luanda
solicitou, em 2009, ao
Supremo Tribunal de São Tomé
e Príncipe, através de uma
Carta Rogatória, a penhora
dos bens da sociedade Ridux
Lda, em São Tomé,
designadamente a Rosema,
para o pagamento total da
dívida em causa.
“Ainda que
assim fosse, tinham de ser
penhoradas as acções da
Ridux na Rosema e não a
fábrica”, explica o
empresário, sublinhando que
o tempo conseguiu provar que
as exigências da JAR eram,
no fundo, um “negócio
fraudulento”.
A verdade é
que, meses depois, o
Tribunal Marítimo de Luanda
viria a dar razão ao
empresário Mello Xavier, mas
já a fábrica era propriedade
de Nino Monteiro, num
processo considerado "nada
transparente" pelo
empresário angolano e
legítimo dono da unidade
fabril.
Longa batalha
na justiça
Depois de
muitas idas e vindas e
papéis à mistura, Mello
Xavier consegue provar às
autoridades judiciárias
angolanas que tem razão. Em
Dezembro de 2017, o Tribunal
Supremo de Angola escreve
para o Supremo Tribunal de
Justiça de São Tomé e
Príncipe, solicitando a
devolução da Carta
Rogatória, que impunha o
cumprimento da decisão
judicial.
Na carta, o
Tribunal Su-premo de Angola
escreve o seguinte: “Na
sequência da documentação
remetida a este tribunal e
considerada após análise da
informação nela contida,
ordeno a suspensão da
execução da pe-nhora, pois o
Tribunal que deveria
efectuar a penhora terá
ultrapassado a sua
competência nesta matéria”.
Deste modo,
acrescenta o documento, deve
o “Meritíssimo juiz do
Tribunal de Lembá proceder à
devolução da Carta Rogatória
e entregar a empresa
denominada Cervejeira Rosema
Lda conforme encontrada de
início até à reapreciação
dos actos que vinham a ser
desenvolvidos pelo Tribunal,
não tendo sido cumprido com
o rigor que havia sido
exigido”.
Sem resposta
das autoridades judiciais
são-tomense, o Tribunal
Supremo de Angola envia, no
dia 26 de Março deste ano,
uma outra Carta Rogatória,
sublinhando ser a "segunda e
última insistência no
cumprimento da devolução da
Carta Rogatória".
No documento,
o Tribunal Supremo de Angola
esclarece que se trata de
"um ultimato para resolver
um problema que, a
arrastar-se, pode provocar
um incidente diplomático
entre os dois países". As
cartas foram expedidas para
São Tomé e Príncipe com
cópias para o ministro das
Relações Exteriores de
Angola, Manuel Augusto, e
com conhecimento do Governo
são-tomense.
Empresa muda
de dono
Sem responder
directamente ao Tribunal
Supremo de An-gola e muito
menos ao Executivo angolano,
o Governo são-tomense,
dirigido por Patrice
Trovoada, emitiu um
comunicado no qual afirma
que o caso da Cervejeira
Rosema está “transitado em
julgado” e que a devolução
de uma carta rogató-ria
enviada pela justiça
angolana sobre esta matéria
“não significa a reabertura
do processo”.
“A devolução
da carta rogatória, depois
de cumprido o que nela é
pedido, não significa a
reabertura de um processo
transitado em julgado há já
vários anos e mandado
arquivar por determinação
soberana do Supremo Tribunal
de Justiça (STJ)”, diz o
comunicado distribuído à
imprensa local.
O Executivo
de Patrice Trovoada nega que
a polémica situação esteja a
provocar apreensão entre a
diplomacia são-tomense e
Angola, por se tratar de
“uma matéria de foro
estritamente judicial”,
sublinhando que, em ambos os
países, “prevalece uma
nítida separação de
poderes”. O documento indica
ainda que “não compete à
diplomacia, em qualquer um
dos países, a resolução de
questões constitucionalmente
reservadas aos tribunais”.
Para explicar
a forma e os moldes como a
fábrica passou das mãos do
empresário angolano Mello
Xavier para o são-tomense
Nino Monteiro, o Governo
são-to-mense afirma: “face à
im-portância da Cervejeira
Rosema no universo
empresarial e laboral e
contributivo do país, os
sucessivos governos sempre
acompanharam a evolução do
processo, em que apenas os
termos de execução efectiva
da penhora, decretada em
Angola, correram no Supremo
Tribunal e no Tribunal
Regional de Lembá”.
O comunicado
do Governo são-tomense
conclui que, “tendo sido a
cervejeira Rose-ma dada em
pagamento de dívida à
sociedade angolana Jar -
Comércio Geral, Presta-ção
de Serviços Agropecuária,
esta decidiu vender a
referida cervejeira a uma
sociedade de direito
são-tomense denominada
Solnivam-Importação
Exportação, que pagou o
preço, liquidou o respectivo
imposto de Sisa e
naturalmente registou a
cervejeira a seu favor”.
Acordos
ignorados
Um dos
principais documentos que
Mello Xavier faz questão de
exibir, sempre que fala no
caso, é o Acordo de Promoção
e Protecção Recíproca de
Investimentos entre Angola e
São Tomé e Príncipe.
Assinado em
1995, o documento vem criar
condições favoráveis para
investimentos de nacionais
ou sociedades de um Estado
em território de outro,
estimular as iniciativas
privadas, incrementando o
bem-estar entre os povos,
além de intensificar a
cooperação económica entre
os dois Estados.
Com o
documento, as partes
“asseguram, no seu
território, um tratamento
justo e equitativo aos
investimentos de nacionais
ou sociedades de outra
parte”.
O documento
assegura que “os
investimentos de nacionais e
sociedades de uma das partes
no território de outra parte
não podem ser expropriados
ou nacionalizados, a não ser
por motivos de utilidade
pública, mediante
indemnizações, que devem ser
pagas sem demora”.
É com este
documento em mãos que o
empresário Mello Xavier
manifesta esperança de
reaver a fábrica e de
continuar a investir em São
Tome e Príncipe. “Tenho lá
outros negócios, muitos
amigos, e o que estamos a
fazer em Luanda e noutras
partes, também podemos fazer
lá”, afirma o empresário que
está actualmente centrado
num projecto imobiliário,
que envolve a construção de
72 prédios e 82 vivendas, na
capital angolana.
Envolvimento das autoridades
Sem resposta
oficial, as autoridades
judiciais de Angola
continuam a aguardar o
pronunciamento da parte
são-tomense. Enquanto isso,
o Ministério das Relações
Exteriores, através do
director para África e Médio
Oriente, Joaquim do Espírito
Santo, indica que o
diferendo pode ser resolvido
de forma pacífica, já que
existe, entre os dois
países, instrumentos
assinados, que podem ser
accionados. Joaquim do
Espírito Santo lembra que
Angola e São Tomé e Príncipe
desenvolvem relações desde
1975, data em que ambos os
países ascenderam à
independência, e não
quererão entrar numa batalha
comercial “desnecessária e
devidamente evitável”.
O diplomata
afirma que as autoridades
angolanas, através do
Ministério das Relações
Exteriores, podem fazer uso
de todos os instrumentos
existentes e todas as formas
de persuasão, para exigir
justiça e fazer com que as
autoridades são-tomenses
devolvam a Mello Xavier a
cervejeira Rosema.
“Não
acreditamos que seja
necessário entrar numa
batalha comercial”, afirma
Joaquim do Espírito Santo,
ao mesmo tem-po que sublinha
ser direito das autoridades
angolanas defender os
interesses dos cidadãos
angolanos.
O novo
embaixador de Angola em São
Tomé e Príncipe, Joaquim
Duarte Pombo, afirmou,
recentemente, que o processo
judicial da cervejeira
Rosema não vai atrapalhar as
relações diplomáticas entre
os dois países, por ser uma
questão do foro judicial.
O diplomata
assegura que “as relações
entre São Tomé e Príncipe e
Angola são normais e entre
dois Estados Soberanos”.
Joaquim Pombo lembra que
interessa à parte angolana o
reforço de relações
bilaterais nas áreas de
“agricultura, empresarial,
turismo e comércio”.
Além de
combustível da Sonangol, que
garante luz eléctrica e
outros serviços em São Tomé
e Príncipe, as relações
estendem-se a todos os
sectores. Angola acolhe a
maior colónia de emigrantes
são-tomenses em todo o
mundo.
O seu a seu
dono, nove anos depois
O empresário
Mello Xavier está desde
ontem em São Tomé para
receber formalmente a
Cervejeira Rosema.
Nove anos
depois de pe-nhorada, o
Supremo Tribunal de Justiça
(STJ) de São Tomé e Príncipe
ordenou, no dia 27 do mês
passado, a devolução da
cervejeira Rosema ao
empresário angolano Mello
Xavier, que está já naquele
país para receber o que lhe
pertence.
De acordo com
um comunicado, ao qual o
Jornal de Angola teve acesso
e datado de 27 último, o STJ
ordenou que "se proceda à
restituição imediata da
ges-tão da Cervejeira Rosema,
S.A.R.L, de todos os bens
penhorados e apreendidos na
presente execução e outros
bens móveis ou imóveis,
incluindo todas as acções
pertencentes à Cervejeira
Rosema, que devem ser
entregues à accionista
maioritária da firma, a
sociedade Angolana Ridux,
Lda, na pessoa do seu
Administrador, Mário Jorge
Henrique da Silva Mello
Xavier ou de quem este
indicar’’. No comunicado, o
STJ ordenou ainda "a
restituição e entrega de
toda a escrituração
comercial, livros
contabilísticos, arquivos e
demais papéis e documentos
da Cervejeira Rosema. Também
orienta a "cessação imediata
de funções do Administrador
provisório e Fiel
Depositário, António
Monteiro Fernandes, e dos
Auxiliares Óscar Abreu de
Sousa Baía e Júlio António
Alves de Carvalho.
Ao
Administrador provisório e
Fiel Depositário, António
Monteiro Fernandes, e aos
auxiliares, Óscar Abreu de
Sousa Baía e Júlio António
Alves de Carvalho, o STJ
pede que procedam aos
inventários, prestações de
contas e devolvam,
imediatamente, todas as
chaves e informações de
segurança da empresa.
O documento
orienta o cancelamento
imediato de contas bancárias
e outros expedientes
atinentes à ROSEMA e, por
força do artigo 675 do CPC,
"dá-se sem efeito todos os
autos praticados nos autos
nº 36/07/A, cumprindo-se os
termos do previsto no artigo
763º. Nº.3 do CPC’’.
Fim-J.Angola - MD
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