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A importância do INE de São Tomé e Príncipe

e as suas especificidades

26.01.2022 - A necessidade dos países terem um Instituto Nacional de Estatística (INE) deriva de ser essencial que os políticos, os gestores públicos e privados, os parceiros sociais, os investigadores, entre outros, para poderem cumprir as suas funções e realizar os seus objectivos com eficiência e eficácia necessitam de Estatísticas Oficiais adequadas sobre as tendências dos problemas que querem resolver, e sobre o seu estado atual, em termos que permitam perspetivar alicerçadamente a sua evolução futura, em que os INE desempenham o papel de principais Centros de Racionalidade no processo de desenvolvimento dos países.

A moderna engenharia da institucionalização e do funcionamento dos INE reconhece que, sendo embora instituições não imunes às alterações vertiginosas do meio envolvente e como tal não imutáveis, são uma espécie muito particular diferentes dos outros Organismos Públicos, posto que: não regulam, não inibem, não controlam, e não executam Políticas Governamentais.

Apesar do número significativo de países em que há consenso sobre o que precede, convém ter presente que não só os INE não se comparam a outros Organismos Públicos como as Estatísticas Oficiais que produzem e difundem à Sociedade também são um bem diferente dos outros, devendo ser não só pertinentes como credíveis, sendo que a credibilidade das Estatísticas Oficiais que produzem deve assentar na sua reputação.

Na verdade, nos Estados de Direito Democrático nenhum outro Organismo Público como os INE têm de se esforçar tanto para se manterem demarcados do Governo e dos partidos políticos, ou seja, de qualquer sinal de que o que medem e fornecem à Sociedade foi afetado por considerações que não sejam as da imparcialidade na escolha dos fenómenos, setores e atividades a quantificar e da objetividade na forma de os medir.

A essa demarcação chama-se Independência, que permite aos INE que as Estatísticas Oficiais que produzem, além de tecnicamente fundamentadas, passem o teste da credibilidade junto da Sociedade.
Por outro lado a Credibilidade engloba a Imparcialidade, a Independência Profissional e a Igualdade de Acesso, e os atributos do Princípio da Imparcialidade dos INE, não sendo possível ser imparcial sem ser objetivo nem ser objetivo sem ser independente e considerado como tal.

A aquisição pelos INE de reputação de imparcialidade resulta da credibilidade obtida pela objetividade, independência e competência técnica exibidas, sendo que não cedem a interesses particulares, bem como as Estatísticas Oficiais que produzem estão disponíveis para todos ao mesmo tempo.

Quanto à Objetividade, sendo um princípio por vezes mal compreendido há quem considere que os INE serão fieis à objetividade se divulgarem apenas números e que a intervenção das palavras que não reflitam fielmente o que os números dizem constitui um afastamento da objetividade. Mas se os INE se abstivessem de palavras interpretativas dos dados publicados estariam a dar a outros, não imparciais, a oportunidade de apresentarem a sua versão "preferida" dos acontecimentos.

Quanto à Independência Profissional, como se compreende, a eficiência dos INE como fornecedores de informação objetiva está diretamente ligada à sua independência dos centros de poder, mas, por outro lado, ao contrário dos organismos públicos que podem angariar a maior parte das suas receitas orçamentais através de vendas ou dos serviços prestados, os INE dependem e, com toda a probabilidade vai continuar a depender, do apoio financeiro do Estado.

Neste contexto, a tensão entre a objetividade e a necessidade de manter os utilizadores das Estatísticas Oficiais satisfeitos com os serviços prestados pelos INE é certamente das mais difíceis tensões que os Presidente dos INE têm de gerir, pois não só devem manter a instituição a salvo de quaisquer interferências como têm de convencer o público, sempre desconfiado, que isso é efetivamente verdade.

Admito que, em termos gerais, a cultura da Administração Pública de muitos países está ainda assente numa matriz mais marcada pelo modelo burocrático-mecanicista que pelo modelo organicista, asserção que encontra aderência, além do modelo centralizado historicamente inspirador, na constatação de que, na generalidade, a Administração Pública tem um perfil de atuação de tipo reativo, configurando a prática de atos de natureza administrativa em torno de direitos e deveres dos cidadãos relativamente ao Estado que se materializam, em geral, através de uma iniciativa dos próprios cidadãos que os leva a dirigirem-se às "repartições públicas" para usufruir direitos ou cumprir deveres.

O processamento administrativo de tais atos assenta em regulamentação normativa que define as competências e atribuições dos serviços e as tarefas do pessoal, originando uma prática de atuação quotidiana de caráter repetitivo, menos exigente na qualificação do pessoal e na estruturação orgânica. De facto, a chave do trabalho é o regulamento, em que tudo pretende estar previsto e que determina a própria ação dos funcionários.

Este modelo não exige dos funcionários capacidade de decisão em tempo real, uma vez que assenta no pressuposto de que o grau de incerteza das tarefas a desempenhar é quase nulo, o que conduz, à adoção do modelo burocrático-mecanicista [sendo o grau de incerteza da tarefa: a diferença entre a informação necessária para a executar e a que aparece disponível no momento da sua execução].

Mas o mesmo não sucede nos INE, uma vez que a sua ação tem origem na sua iniciativa, tanto na conceção como na execução [gozam de independência], e é desenvolvida num contexto de elevado grau de incerteza das tarefas da atividade estatística, o que lhes impõe a adoção do modelo organicista [pró-ativo com elevada capacidade de decisão em tempo real], com exigências acrescidas quanto à qualificação do pessoal e às condições de gestão.

Na verdade, os INE são centros de racionalidade do processo de desenvolvimento, em que o seu pessoal não é só composto por estaticistas, uma vez as operações estatísticas que realizam requerem outros especialistas, designadamente economistas, econometristas, engenheiros, sociólogos, demógrafos, informáticos, geógrafos, que são imprescindíveis para conceber e lançar inquéritos e recenseamentos estatísticos novos, ou para introduzir melhorias metodológicas sensíveis nos existentes.

Mesmo que ninguém se atreva já a contestar a necessidade de INE independentes do poder político, todos sabemos, por saber de experiência feito, que os grandes princípios, na sua vivência prática, são vulneráveis à humana diversidade das personalidades, dos comportamentos, e das hierarquias pessoais de valores, e os INE devem exibir um balanço livre de insucessos acumulados.

A crescente racionalidade na utilização de recursos sempre escassos, os INE têm de contar com a solidária adesão das hierarquias e dos funcionários em geral, mesmo quando tal implica terem de conformar-se com algumas restrições ao seu legítimo e empenhado desejo de fazer mais, mas devendo saber gerir com sobriedade e eficácia.

No médio e longo prazos, a resultante das várias componentes que integram os proveitos financeiros dos INE (pagamento pelo Estado do serviço público de produção e difusão de Estatísticas Oficiais; receitas próprias da venda de informação e da prestação de serviços, e os fundos obtidos de parceiros de cooperação estrangeiros e internacionais) tem de crescer, embora por certo moderadamente, em termos reais.

Os INE devem dispor do maior grau de autonomia de gestão concedível a um organismo público, incluindo a personalidade jurídica própria, regendo-se apenas pela Lei do Sistema Estatístico Nacional, pelos seus Estatutos e regulamentos internos, sendo-lhes imperativa a aplicação das normas de gestão patrimonial e financeira e a organização contabilística que a lei estabelece para os institutos públicos.

Tudo isto são realidades em contínuo processo de assimilação, para tal contribuindo, é certo, a nova mecânica para fazer chegar aos INE os recursos financeiros com que o Orçamento de Estado custeia a produção e difusão das Estatísticas Oficiais de serviço público.

Importa também salientar a atenção que os Órgãos de Comunicação Social dão às Estatísticas Oficiais produzidas pelos INE, tendo presente que componente difusão das atividades do INE tem neles o parceiro indispensável ao alargamento da cultura estatística no País, que é condição necessária para uma atividade empresarial esclarecida e para uma cidadania responsável.

De facto, os INE devem progredir na colaboração com os Órgãos de Comunicação Social a bem dos destinatários da informação, a distinguir o essencial, do acessório e irrelevante, embora possa ser apelativo, para dissipar "nevoeiros estatísticos", decerto, mas também para evitar a formação de "nevoeiros concetuais", que podem confundir estatísticas propriamente ditas, estimativas e previsões.
Neste contexto apresento algumas notas sobre a independência dos INE.

O advento dos Estados de Direito Democrático conduziu a uma prática de responsabilização progressiva dos governantes pelos governados, que exige a aferição permanente dos resultados alcançados nas políticas públicas através de Estatísticas Oficiais que permitam conhecer a realidade que se governa para adequar tanto o discurso como a prática política, pelo que a prioridade atribuída pelos Governos ao funcionamento dos INE deve refletir a importância das Estatísticas Oficiais tendo presente que:

- Não cessa de aumentar a procura de Estatísticas Oficiais devido aos Governos tomarem a seu cargo cada vez mais assegurar o bem-estar dos cidadãos, tomando disposições de planeamento económico, social, demográfico e ambiental, que os obriga a dispor de Estatísticas Oficiais sobre as quais possam fundamentar as suas políticas, monitorizar a sua execução, e avaliar a sua eficácia, estando muito enfraquecidos na sua capacidade governativa sem um INE operacional que é o principal centro de racionalidade do processo de desenvolvimento;

- As Estatísticas Oficiais são fundamentais para reforçar a identidade nacional e formar uma opinião pública informada numa base objetiva, dando um contributo para o exercício da cidadania e consequentemente para o reforço e consolidação do processo democrático.

Embora o princípio da Independência dos INE seja já pacífico, a verdade é que podem sofrer tentativas de intromissão, diretas ou indiretas, dos utilizadores visando uma orientação da sua atividade, pelo que se impõe um dispositivo legal que os defenda daquelas tentativas que, além dos conflitos que ocasionariam, poderiam originar a produção de estatísticas ″orientadas″, com a consequente perda irreparável da sua credibilidade.

A questão centra-se na necessidade dos INE disporem do poder legal necessário para: determinar a metodologia mais consentânea com a realização das operações estatísticas; para publicar as Estatísticas Oficiais produzidas; e definir a linha técnica evolutiva da sua atividade. O princípio da Independência deve ser entendido no seu conceito mais abrangente, que incorpora os "valores" da fiabilidade, da imparcialidade e da transparência.

Os INE da maioria dos países seguem os Princípios Fundamentais das Estatísticas Oficiais adotados em 1994 pela Comissão de Estatística das Nações Unidas e que vieram a ser aprovados pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de Janeiro de 2014, que transcrevo:

1º- Relevância, Imparcialidade e Igualdade de Acesso: A Estatística Oficial constitui um elemento indispensável do sistema de informação de uma Sociedade democrática, que proporciona às instituições oficiais da Nação, ao setor económico e ao público dados acerca da situação económica, demográfica, social e ambiental. Com este fim, os organismos responsáveis pela Estatística Oficial devem elaborar estatísticas oficiais com critérios de utilidade e interesse públicos e disponibilizá-las com imparcialidade para que os cidadãos possam exercer o seu direito de acesso à informação pública.

2º- Padrões Éticos e Profissionais: Para manter a confiança na Informação Estatística Oficial, os organismos responsáveis pela estatística devem decidir, de acordo com considerações estritamente profissionais, princípios científicos e ética profissional, os métodos de recolha e os procedimentos para o tratamento, conservação e apresentação dos dados estatísticos.

3º- Fiabilidade e Transparência: Para facilitar uma interpretação correta dos dados, os organismos responsáveis pela Estatística Oficial devem apresentar a informação de acordo com a metodologia científica sobre fontes, métodos e procedimentos da estatística.

4º- Prevenção de Más Utilizações: Os organismos responsáveis pela Estatística Oficial têm o direito de formular observações sobre as interpretações erróneas e a utilização indevida das estatísticas.

5º- Custo-Benefício: Os dados utilizados para fins estatísticos podem obter-se recorrendo a toda a espécie de fontes, sejam inquéritos estatísticos ou registos administrativos. Os organismos responsáveis pela Estatística Oficial devem eleger a fonte tendo em conta a qualidade, a oportunidade, o custo e a carga que implique para as unidades informadoras.

6º- Confidencialidade: Os dados individuais recolhidos pelos organismos estatísticos para a elaboração estatística oficial, tanto provenientes de pessoas físicas como de pessoas jurídicas, devem ser estritamente confidenciais e utilizarem-se exclusivamente com fins estatísticos.

7º- Legislação: As leis, regulamentos e disposições que regulam o funcionamento dos Sistemas Estatísticos Nacionais devem dar-se a conhecer ao público.

8º- Coordenação Nacional: A coordenação entre os diferentes organismos estatísticos de cada país é essencial para assegurar a coerência e a eficiência do Sistema Estatístico.

9º- Padrões Internacionais: A utilização pelos organismos estatísticos de cada país, de conceitos, classificações e métodos internacionais, fomenta a coerência e a eficiência do Sistema Estatístico em todos os níveis oficiais.

10º- Cooperação Internacional: A cooperação bilateral e multilateral no âmbito da Estatística contribui para melhorar os Sistemas de elaboração de Estatísticas Oficiais em todos os países. A Lei de Bases do SEN de São Tomé e Príncipe, Lei n.º 5/1998, de 3 de Dezembro, consagra os seguintes Princípios:

Autoridade Estatística: é o poder conferido aos órgãos produtores de estatísticas oficiais no âmbito do SEN de, no exercício da sua atividade estatística, poderem realizar inquéritos com o obrigatoriedade de resposta nos prazos que forem fixados, bem como efetuar todas as diligências necessárias à produção das estatísticas, podendo solicitar informações estatísticas a todas as autoridades, serviços ou organismos, funcionários e a todas as pessoas singulares ou coletivas que se encontrem no território nacional ou nele exerçam atividade, salvo quanto às convicções ou prática religiosa cuja recolha de dados para fins estatísticos só pode ser feita nos termos do Artigo 26º, n.º 3, da Constituição da República;

Segredo Estatístico: visa salvaguardar a privacidade dos cidadãos, preservar a concorrência entre os agentes económicos e garantir a confiança dos inquiridos, consistindo na obrigação dos órgãos produtores de estatísticas oficiais no âmbito do SEN, de protegerem os dados estatísticos individuais relativos a pessoas singulares ou coletivas recolhidos para a produção de estatísticas, contra qualquer utilização não estatística e divulgação não autorizada;

Autonomia Técnica: consiste no poder conferido aos órgãos produtores de estatísticas oficiais no âmbito do SEN de, no exercício da sua atividade estatística, definir livremente os meios tecnicamente mais ajustados à prossecução da sua atividade, agindo no âmbito da sua competência técnica com inteira independência, podendo tornar disponíveis e difundir em pé de igualdade a todos os utilizadores as estatísticas produzidas e o mais rapidamente possível após terminado o seu processo de produção;

Imparcialidade: consiste no dever dos órgãos produtores de estatísticas oficiais no âmbito do SEN de, no exercício da sua atividade estatística, produzirem as estatísticas de maneira objetiva, científica e com bases inequívocas, ao abrigo de qualquer pressão oriunda de grupos políticos ou de outros grupos de interesse, designadamente no que diz respeito às técnicas científicas, metodologias, nomenclaturas, conceitos e definições estatísticas que melhor se adaptem à consecução dos objetivos da presente lei;

Transparência: consiste no direito conferido aos fornecedores dos dados estatísticos individuais necessários à produção das estatísticas oficiais no âmbito do SEN, de obter informações relativas ao fundamento jurídico, aos fins para que esses dados são pedidos e às medidas de proteção da confidencialidade desses dados e da sua utilização exclusiva para fins estatísticos;

Fiabilidade: consiste no dever dos órgãos produtores de estatísticas oficiais no âmbito do SEN, de produzirem as respetivas estatísticas de maneira a que traduzam o mais fielmente possível a realidade e os fenómenos que se propõem quantificar, devendo ainda informar os utilizadores estatísticos sobre as fontes e os métodos utilizados na sua produção;

Pertinência: consiste no dever dos órgãos produtores de estatísticas oficiais no âmbito do SEN, de produzirem estatísticas relacionadas com necessidades claramente definidas, resultantes de objetivos do Governo, e a recolha dos dados estatísticos individuais deve limitar-se ao que é estritamente necessário para a obtenção das estatísticas pretendidas;

Coordenação Estatística: consiste no poder conferido ao SEN de elaborar e aprovar normas técnicas, nomenclaturas, conceitos e definições estatísticas uniformes, de aplicação imperativa por todos os órgãos produtores de estatísticas oficiais no âmbito do SEN, de molde a garantir a harmonização, integração e comparabilidade das estatísticas produzidas.

Adrião Simões Ferreira da Cunha - / - Estaticista Oficial Aposentado - Antigo Vice-Presidente do Instituto Nacional de Estatística de Portugal

 

 

 

 

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