Jesus pretende salvar
São Tomé e Príncipe
31.08.2019 –
O
Líder
do maior partido da
oposição são-tomense,
MLSTP/PSD, Jorge Bom
Jesus falou ao DN a
propósito das eleições
de 7 de outubro. "Temos
de sentir vergonha de em
43 anos não termos
conseguido mudar o rosto
da miséria nesse país."
Jorge
Bom Jesus, 56 anos, é o
líder do maior partido
da oposição em São Tomé
e Príncipe, o MLSTP/PSD.
Ex-ministro da Educação
e da Cultura no
executivo que antecedeu
o do atual
primeiro-ministro
Patrice Trovoada, Bom
Jesus assumiu a
liderança do partido no
final de junho, decidido
a reformar esta força
política e o país.
O
facto de em apenas dois
meses ter havido dois
alegados atentados
contra Trovoada e outros
órgãos de soberania
suscita questões que
ainda não foram
respondidas pelo
governo, segundo o líder
da oposição,
nomeadamente quanto ao
envolvimento de
mercenários espanhóis no
segundo golpe.
Bom
Jesus promete reforçar
as parcerias ao nível da
segurança marítima com
Portugal e Angola e
retificar a decisão que
permite a permanência no
país de estrangeiros sem
vistos por seis meses. E
sonha alto: com 200 mil
são-tomenses a receberem
formação superior no
futuro e com uma
Secretaria de Estado da
Cultura.
Qual
a importância para si,
que já esteve no
governo, de nesta fase
do país concorrer às
eleições?
Primeiro, eu entrei na
corrida para a
presidência do MLSPT
para tentar mudar o
próprio MLSTP, numa
perspetiva de dizer:
vamos ganhar a
presidência do MLSTP
para depois ganhar o
país. E ganhar o país é
vencer as eleições de 7
de outubro. Pensamos que
temos de salvar São Tomé
e Príncipe.
Salvar São Tomé e
Príncipe de quê?
Da
crise ética, económica,
financeira. Vou fazer
amanhã [hoje] dois meses
à frente do partido. O
MLSTP tem
responsabilidades. É o
partido que garantiu a
independência ao país. O
objetivo mínimo era a
independência mas o
objetivo máximo é
garantir a dignidade, a
respeitabilidade ao povo
são-tomense. E hoje
sentimos que isso não
está a ser assegurado.
Nos
últimos dois meses São
Tomé foi notícia em todo
o mundo por duas
alegadas tentativas de
golpe de Estado e
atentado aos órgãos de
soberania, numa delas
com o suposto
envolvimento de
mercenários espanhóis.
Como avalia estes casos
que denunciam um
aparente problema de
segurança no país?
Nós
continuamos a pedir
explicações ao governo.
Naturalmente é sempre
condenável qualquer ato
dessa natureza. Mas a
dois meses das eleições,
o governo ainda não veio
explicar à oposição, com
toda a transparência
possível, o que se está
a passar. É a imagem de
São Tomé e Príncipe que
nós precisamos de
credibilizar. Isto não
pode ser uma narrativa
qualquer. Estamos a
promover o turismo. A
nossa imagem de marca é
a paz. O são-tomense é
pacato e hospitaleiro,
nunca houve derramamento
de sangue aqui.
Então
foi com estranheza que
viu na primeira
tentativa de golpe de
Estado estar envolvido
um membro do seu partido
[o deputado e membro da
comissão política do
MLSTP/PSD Gaudêncio
Costa)?
Ele
foi acusado, depois foi
libertado, estando neste
momento sob termo de
identidade e residência.
Depois não se consegue
explicar muito bem todo
esse processo. Este
militante do partido o
que nos disse é que não
está implicado em coisa
nenhuma e que tudo isto
é uma efabulação. Mas
são questões que têm que
ver com a justiça e eu
quero deixar que a
justiça resolva. O que
queremos é que esse
período intempestivo,
que toda essa novela,
passe rapidamente. Nós
pensamos ser poder e
queremos que a
comunidade internacional
nos olhe com outros
olhos.
Jorge
Bom Jesus fala com
são-tomenses em ação de
campanha.
Melhorar a segurança
interna e o controlo de
fronteiras do país é
importante para si?
Nós
não compreendemos a
própria política do
poder atual de alargar o
período de estada no
país de 15 dias para
seis meses de pessoas
que vêm sem vistos para
São Tomé e Príncipe, sem
razão aparente. Nós
perguntamos: se o
governo fala destas
tentativas todas de
haver cidadãos
estrangeiros a atentar
contra a ordem
constitucional nós
perguntamos então porque
é que se decide
precisamente agora abrir
as fronteiras, gente que
possa vir ao invés de 15
dias, alargar esse prazo
para 180 dias? Há coisas
que parecem paradoxais,
em termos de segurança e
controlo. Teremos de
retificar todas essas
decisões, se formos
eleitos.
A
China é um dos
principais credores de
São Tomé. Vai querer
manter essa relação com
a China e com outros
parceiros?
Naturalmente, com a
China, com outros
parceiros da CPLP,
sobretudo Portugal e
Angola. Queremos que o
esforço externo seja um
complemento ao nosso
investimento. E temos de
usar esses recursos que
os parceiros colocam à
nossa disposição da
forma mais eficiente
possível. E sobretudo
mudar a distribuição das
riquezas. Uns vão querer
ficar com tudo e a
maioria do povo continua
mergulhada na pobreza.
Temos de sentir vergonha
de em 43 anos não termos
conseguido mudar o rosto
da miséria nesse país.
Jorge
Bom Jesus, líder do
maior partido da
oposição em São Tomé e
Príncipe, em ação de
campanha para as
eleições de 7 de outubro.
Tem
esperança na exploração
petrolífera em São Tomé
e Príncipe?
Eu
estou esperançado porque
São Tomé precisa de
recursos. Mas há 18 anos
que falamos no petróleo.
E este povo já se tornou
um pouco incrédulo em
relação a isto.
Mas
agora já há contratos de
exploração com a
britânica BP e com a
norte-americana Kosmos
Energy...
Os
dados indicam estarmos
mais perto de resultados
tangíveis mas queremos
focar este povo noutras
áreas onde também
existem potencialidades,
na agricultura, na
agroindústria, nos
serviços. É preciso
explorar mais o
potencial ao nível das
novas tecnologias de
informação. Também
precisamos produzir uma
energia mais sustentável
porque neste momento
produzimos energia
através das térmicas. E
temos de necessariamente
diversificar as fontes
de energia.
Preocupa-o ainda haver
analfabetismo no país?
Diminuímos
significativamente essas
taxas, mas já começamos
a ter o regresso ao
analfabetismo. E é
preciso erradicar
completamente essas
taxas. Ao nível da
educação há progressos.
Há uma reforma em curso
que se iniciou há algum
tempo. No ensino básico
estamos acima dos 95%,
nas taxas do ensino
secundário estamos acima
de 80% Mas precisamos de
continuar a apostar na
qualidade e na
qualificação.
Quem
vive em São Tomé e
Príncipe conhece a
realidade dos apagões.
Nunca tivemos tantos
como agora.
Se
for eleito, vai querer
investir mais no ensino
superior?
Precisamos de um
investimento maior do
governo no ensino
superior. Nos últimos
anos, quando saí do
governo há quatro, criei
a universidade pública.
Porque durante muito
tempo fomos enviando
estudantes para o
exterior. Em Portugal
tínhamos de enviar
mensalmente 250 euros
para manter esses
estudantes no exterior.
É um investimento que
faz falta aqui. Criámos
a universidade para
fazerem a licenciatura
aqui e depois os
mestrados e
doutoramentos fariam no
exterior. A minha utopia
era dar formação a todos
os são-tomenses,
transformar este país
numa grande universidade
aberta ao ar livre.
A
cultura também precisa
de ser mais apoiada?
Falta
investimento na cultura,
não podemos continuar a
folclorizar a cultura.
Temos de investir nas
artes, na música, na
arquitetura e na
pintura. No meu governo
temos de criar uma
Secretaria de Estado da
Cultura pela importância
transversal e de
desenvolvimento. Pode
ganhar-se dinheiro com
uma indústria cultural
forte aliada ao turismo.
Qual
vai ser o setor
económico a que vai dar
prioridade, para criar
mais emprego em São
Tomé?
A
agricultura tem de
continuar. Já não será
essa agricultura em
termos de matéria-prima.
Compreendemos que temos
de apostar na
agroindústria, fazer a
ligação entre o turismo
e a agricultura, apostar
nos nichos de mercado,
sobretudo o cacau
biológico, a baunilha, a
pimenta, enfim, produtos
que têm valor
acrescentado. A minha
aposta seria muito mais
na agroindústria mas
também na produção
agrícola que possa
sustentar o turismo. A
nossa indústria é muito
incipiente, há uma
cervejeira, a Rosema,
que é das poucas
indústrias que podemos
citar. Mas há outras
potencialidades que
temos: continuamos a
importar água num país
que tem tanta água,
continuamos a encher os
barcos com reservatórios
de água.
Jorge
Bom Jesus é líder do
MLSTP-PSD desde final de
junho.
Os
índices de pobreza e
miséria ainda são
grandes?
Queremos que o próximo
governo que seja do
MLSTP toque esse país
para a frente porque de
facto há um retrocesso
muito grande, há uma
deceção dos eleitores,
desespero, os índices de
miséria subiram
exponencialmente, o
desemprego grassa por
tudo quanto é canto.
Mesmo a energia de que
se fala e que o poder
propalou bastante, a
bandeira da energia e da
água, mas quem vive em
São Tomé e Príncipe
conhece a realidade dos
apagões. Nunca tivemos
tantos apagões como
agora.
Houve
incapacidade do país em
manter empresas
internacionais a operar
no território?
Inúmeras empresas
tiveram de fechar as
suas portas. Ultimamente
dois bancos, o Banco do
Equador e o Banco
Privado, fecharam.
Dezenas de empresas de
construção civil, e das
grandes, como a
portuguesa Soares da
Costa, que tinha uma
filial aqui, a
Mota-Engil, foram
embora. E a juventude
está sem norte porque
quando há desemprego
numa família cai-se no
limiar da pobreza e no
desespero total.
Os
são-tomenses que estão
fora são a nossa
bandeira, a nossa
embaixada.
O que
acha de a diáspora
são-tomense não poder
votar nas próximas
eleições?
Tenho
tido encontros há 15
dias com a diáspora em
Angola e lamentaram
bastante essa questão. O
governo atual teve
várias iniciativas
legislativas e este
assunto devia constituir
prioridade. Temos uma
diáspora que cresceu
muito, em Angola, no
Gabão, serão acima de 50
mil são-tomenses. A
comunidade em Angola e
em Portugal tem crescido
muito, em Londres
também. É uma diáspora
esclarecida, são
estudantes que enviamos
para o exterior e não
regressaram e ocupam
lugares de topo nos
países onde residem.
Comigo a diáspora
poderia votar nas
eleições, sempre na
perspetiva de inclusão.
Os são-tomenses que
estão fora são a nossa
bandeira, a nossa
embaixada.
As
próximas eleições serão
observadas pela ONU. Vai
aceitar os resultados,
sejam eles quais forem?
O que queremos pedir à
ONU e aos países amigos
é que nos ajudem através
dos observadores e em
todos os aspetos que
possam concorrer para
que as eleições sejam
justas, transparentes e
credíveis. Mas há ainda
muito trabalho a ser
feito e toda a
vigilância é pouca. Há
uma tradição de
alternância de poder e
não queríamos que
fugisse à regra.
(DN)