08.03.2023 - Joana
Alexandre e Rute
Agulhas, psicólogas e
docentes do Iscte,
desenvolveram um jogo de
tabuleiro adaptado à
realidade social de Cabo
Verde, marcada pela
exploração sexual e
prostituição infantil. O
objetivo é prevenir
casos de abuso sexual de
crianças e jovens.
“O nosso trabalho pode
ser adaptado ao contexto
religioso, promovendo
competências que ensinem
as crianças a lidar com
situações de perigo”,
afirma Rute Agulhas,
especialista que também
integra a Comissão do
Patriarcado de Lisboa.
Chama-se “Picos e Avelã
à Descoberta das Ilhas
do Tesouro”, é um jogo
de tabuleiro destinado a
crianças entre os 7 e os
12 anos e tem como
objetivo prevenir
situações de abuso
sexual de crianças e
jovens. Rute Agulhas e
Joana Alexandre,
psicólogas e docentes do
Iscte – Instituto
Universitário de Lisboa,
conceberam o jogo para
responder a uma
iniciativa da ACRIDES –
Associação Crianças
Desfavorecidas de Cabo
Verde, no âmbito do
projeto “Justiça Amiga
da Criança”, que tem
como parceiros a
Embaixada dos EUA e o
Ministério da Justiça de
Cabo Verde.
“A prevenção de abusos
sexuais deve ser pensada
de uma forma integrada,
envolvendo as crianças e
os adultos nos diversos
ecossistemas onde estão
inseridos”, afirma Rute
Agulhas, psicóloga
clínica e da justiça e
perita no Instituto de
Medicina Legal e
Ciências Forenses. Foi
com esta ideia em mente
que as duas
investigadoras do Iscte
desenvolveram um jogo
concebido
especificamente para a
realidade cabo-verdiana.
“Picos e Avelã à
Descoberta das Ilhas do
Tesouro” aborda nove
temas transversais à
violência sexual,
inspirados em nove ilhas
do país: são os casos do
corpo e partes privadas,
dos segredos, das
emoções, da internet, da
capacidade de a criança
dizer "sim" e "não", ou
de pedir ajuda quando
confrontada com
situações de abuso
sexual.
O jogo abrange, ainda, a
violência baseada no
género, os direitos das
crianças e as
competências sociais e
emocionais. Os
principais destinatários
do jogo têm entre 7 e 12
anos, sendo que as
psicólogas optaram por
esta faixa etária por
acreditarem ser aquela
com maior incidência de
suspeitas de abuso
sexual em Cabo Verde:
“Fenómenos como a
gravidez na
adolescência, a
exploração sexual e a
prostituição infantil
ainda são muito comuns
neste país”, afirma
Joana Alexandre,
professora do Iscte que
coordena teses de
mestrado nesta área.
A criação de “Picos e
Avelã à Descoberta das
Ilhas do Tesouro” – em
conjunto com a editora
“Ideias com História” –
foi o culminar de meses
de trabalho das duas
psicólogas em Cabo Verde
que incluíram ações de
formação a forças
policiais, magistrados,
professores, médicos,
psicólogos e assistentes
sociais nas ilhas de
Santiago e São Vicente
e, agora, nas ilhas do
Sal e Boavista.
A apresentação do jogo
irá decorrer na próxima
quarta-feira, dia 8 de
março, na ilha do Sal,
em Cabo Verde. Prevenir
abusos sexuais nos
colégios e na catequese
“A realidade portuguesa
nada tem a ver com a
cabo-verdiana, onde não
há muitos dados
estatísticos disponíveis
e são poucos os estudos
científicos sobre abusos
sexuais de crianças”,
afirma Rute Agulhas,
especialista que também
integra a Comissão do
Patriarcado de Lisboa a
convite da Igreja
Católica.
“Todo o trabalho de
prevenção que temos
vindo a fazer pode e
deve ser adaptado pela
Comissão a contextos
religiosos, nomeadamente
a crianças que
frequentam a catequese e
também nos colégios. É
uma forma de prevenir o
abuso sexual, aumentando
conhecimentos e
promovendo competências
que ensinam as crianças
a reconhecer e a lidar
com eventuais situações
de perigo”, afirma Rute
Agulhas. Recorde-se que
o recente relatório da
Comissão Independente
para o Estudo dos Abusos
Sexuais contra as
Crianças na Igreja
Católica Portuguesa
recolheu 512 testemunhos
e estimou a existência
de, pelo menos, 4815
vítimas desde 1950.
“O abuso sexual tem um
forte impacto negativo
nas vítimas, nas
famílias e na
comunidade, o que
reforça a necessidade do
investimento em
estratégias preventivas
lúdicas e ativas, que
devem ser utilizadas de
forma continuada”,
afirma Joana Alexandre.
“Se ensinamos as
crianças a atravessarem
nas passadeiras ou a
participarem em
simulações em caso de
sismo, não faz sentido
que não se abordem as
situações de abuso
sexual”, defende a
psicóloga.
As docentes e
investigadores do Iscte
começaram a trabalhar
juntas no
desenvolvimento de ações
de prevenção e cursos de
formação focadas na
prevenção do abuso
sexual de crianças em
2015, colaborando
regularmente com
escolas, associações de
pais, comissões de
proteção de crianças e
jovens (CPCJ), câmaras
municipais e forças de
segurança espalhadas
pelo país e, mais
recentemente, com o
Instituto Português do
Desporto e da Juventude
(IPDJ).
Em 2016 criaram o
primeiro jogo de
tabuleiro “As Aventuras
do Búzio e da Coral” e,
um ano mais tarde,
lançaram o jogo “Picos e
Avelã à Descoberta da
Floresta do Tesouro!”,
tendo ambos contado com
o envolvimento dos
alunos do mestrado em
Psicologia Comunitária e
Proteção de Crianças e
Jovens em Risco do Iscte.
Rute Agulhas e Joana
Alexandre estão, neste
momento, a ultimar o
jogo “Vila Segura”,
destinado a jovens entre
os 11 e os 14 anos e que
tem como objetivos
aumentar os
conhecimentos dos jovens
sobre o abuso sexual de
crianças e capacitá-los
para saberem identificar
e lidar com possíveis
situações de
maus-tratos.